Blog da Perestroika

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Correria? Correria!

É comum a gente, numa rodinha de publicitários, ouvir o seguinte papo:

- Esse findi eu trabalhei pra caralho.

Ou:

- Essa semana saí todos os dias às três da manhã.

Ou ainda:

- Putz, faz quatro meses que eu trabalho sábado e domingo.

Cada vez mais, eu acho que esse discurso não é por causa da nossa rotina mega-atarefada. O que eu percebi, e essa é a tese que eu defendo, é que nós vemos a fodelança como status.

Isso aí. No nosso meio, se fuder é ser foda.

Você pode até nem concordar comigo. Mas sei lá. Parece que existe uma necessidade da gente mostrar para os outros que se está trabalhando muito.

Não consigo identificar bem a razão.

Talvez, isso signifique que a gente está numa agência grande (afinal, todas as agências grandes são assim).

Ou um sinal de que temos muitas responsabilidades, que somos imprescindíveis no processo.

Ou que nós somos mega-exigentes e, dessa forma, nunca nos damos por satisfeitos saindo na hora (quem garante que o próximo Leão não vai pintar às 3h da madrugada?).

Repare que, nos papos do Salão da Propaganda, o discurso clássico é:

- E aí, como tá lá?
- Correria, e lá?
- Correria, correria.

É ou não é?

***

Parece meio aquela piada da Sharon Stone na ilha deserta. Se você come uma gostosa, e não conta pra ninguém, não tem a menor graça.

Se você vira a noite trabalhando, e não conta para seus colegas, ninguém vai saber que você foi um herói.

Não seria essa uma prova de que vemos a fodelança como status?

Eu, num Salão há uns 2 anos, fiz questão de responder pra todo mundo "Pois é, minha vida tá bem tranqüila, tenho saído no horário". (Tá, não era verdade. Mas eu só queria ver a reação das pessoas.)

E não é que todo mundo me olhava meio estranho? Como se fosse proibido estar bem posicionado no mercado e sair às 19h.

***

Veja como é curioso. Normalmente, as pessoas mentem para mais. Elas exageram na fodelança. Elas realmente fazem questão de dizer que saíram às 4h da matina. Mesmo quando terminaram o job mais cedo.

Outro indício de que minha tese não é tão absurda assim.

***

Mais: se a questão é se exibir, não seria mais lógico o raciocínio inverso?

"Eu trabalho pouco, chego às 11h, saio pra almoçar, só volto às 15h, nunca fico até mais tarde, tô cagando para todo mundo, e ainda assim precisam de mim".

Ninguém se vangloria de ter um carro caindo aos pedaços, ou de ganhar mal, ou de morar num JK alugado.

Ninguém, tirando o Jorge Kajuru, chega para uma mina dizendo "Eu sou ruim de cama, tenho pau pequeno e já fiz troca-troca". (Se você não conhece essa entrevista, clique aqui.)

Ninguém se vende assim. Porque não existe status nisso.

Então, por que insistimos tanto nessa Síndrome de Sofrenildo?

***

Agora, não confunda isso tudo com falta de ralação.

Uma coisa é trabalhar para caralho. Ser um eterno insatisfeito. Ser exigente e não se contentar com o que já fizeram. Não aceitar bem a média.

Outra coisa é ter a necessidade de falar para todo mundo que você trabalha para caralho. É se afirmar em cima disso.

Uma coisa é a realidade do mercado. Que exige bastante e faz a gente virar a noite. Que joga para o acostamento que não agüenta o tranco.

Outra coisa é se exibir. Como se o fato de ficar até tarde fosse um troféu.

***

Eu tô na contramão. Pra mim, ficar até tarde é um saco. Perder o final de semana é um saco. E quanto mais eu lembrar desse sofrimento, pior. Por isso, nem toco no assunto.

Quando eu estimulo os alunos a ralarem, é porque eu tenho certeza que a quantidade faz a qualidade. Agora, eu procuro na medida do possível (evidente que nem sempre isso é possível) não ficar me exibindo de algo que, pra mim, não tem valor nenhum.

E ainda assim, às vezes, eu me pego dizendo "Nunca almoço, passo o horário do meio dia resolvendo coisas da Perestroika, hoje eu tenho dois expedientes, a reunião de ontem terminou de madrugada, blá, blá, blá".

***

Sinceramente, espero que esse post sirva para recrutar pessoas que também pensam como eu. Não existe nenhum problema em trabalhar bastante, nem em ser exigente. O bizarro é ver alguma vantagem nisso.

É ou não é, Kajuru?

13 comentários:

Rê Freitas disse...

concordo muito! :)

Anônimo disse...

Mas no começo tu também achava isso?
Eu to curtindo, pelo menos por enquanto, ficar um pouco mais, me matar fazendo um pit.
Acho que isso começa a 'piorar' com a experiência, porque quanto mais tu sabe, maior tua 'habilidade' de resolver esse problema no tempo estipulado.

O Rafa falou assim la no churras do sábado:
"Neguinho pode até ter terminado a campanha no tempo certo, mas eles voltam pra agência pra deixar as coisas ainda melhores."

e depois falou da competitividade que existe no mercado publicitário.

Bom, eu acho que gosto de ficar um pouco mais porque to aprendendo...

sei lá, acho.

g!panichi disse...

Eu sou tri avesso a essa cultura do auto-escravismo. Sempre fui e sempre tentei ficar alheio a isso.

Hoje tenho a sorte e um pouco de orgulho de dizer que foram bem poucas as vezes que fiquei até muito tarde ou ralei no findi nas agências que trabalhei.

Já estive em lugar onde eu matava minha pauta tranquilo dentro do horário, e escutei me dizerem que eu sair as 19h era sinônimo de falta de tesão.

Fugi disso, e hoje fico muito contente de trabalhar numa agência grande onde às 20:30 as luzes estão apagadas.

Não porque o pessoal não se puxa, mas porque todo mundo é ser humano e tem vida. E onde todo mundo acredita que não adianta não ter tempo pra ir no cinema, no museu, no shopping ou no mirante por 10min curtir o pôr-do-sol comendo bergamota.

Marco Bezerra disse...

Eu chego 9 e saio 6 da tarde. Todos os dias. Quando estava em São Paulo era um inferno. Odeio trabalhar final de semana. Mas tenho ainda mais raiva da madrugada. Não sei se volto para São Paulo um dia só pelo volume de trabalho. O pior é que 90% desse esforço é lixo.

azeredo disse...

Cara, sou da mesma opinião. Coordeno o pessoal aqui na agência e quase morro quando tenho que pedir pros caras virem no sábado trabalhar. Trabalhar fora do 'horário comercial' é sinal de que algo não vai bem.

O cara tem que ser bom durante o dia. Cliente não vai ligar (a maioria, pelo menos) às 3h perguntando se tu já terminou. Ele vai ligar às 17h, às 18h.

Não tá certo o cara ficar de madrugada trabalhando 'pra cumprir prazo'. Alguma coisa faltou no processo, então. E, às vezes, nada mais é do que o atendimento dar um 'peitaço' e dizer que, mandando o material às 19h, o trabalho não sai pro mesmo dia.

Anônimo disse...

haaaa, pois é.
eu já pensei nisso.
parece que é bonito chegar cedo,
com olheiras, cara de dor e dizer
que se fudeu até de madrugada e
nunca trabalhou tanto na vida.

i k e disse...

Concordo.

Acho que no tempo certo, a gente consegue fazer o nosso trabalho. Agora, se tu tá com tesão de ficar mais se puxar e tentar extrapolar fora disso, também concordo que é legal ficar até mais tarde, afinal, quem sabe o Leão não sai da toca as 3h da manhã?!

FOCO. essa é a palavra. tu pode ter ele, pra se puxar e fazer no tempo certo, ou, pra se sacrificar pelo job, até sair a coisa ducaráleo.

pelo menos penso assim.

Só que os imprevistos sempre acontecem, dai as vezes, tu temque ficar até mais tarde... é que nem previsão do tempo. Ontem saí de casa com um Solaço bonito e pensando, bah segunda-feira, vou sair as 19h. 12h, já estava chovendo. mudou tudo. As 19h, chegaram coisas para resolver, e acabei saindo quase 21h.

:)

Mas mesmo assim, feliz, porque gosto do que faço, entrei nessa profissão consciente disso.

E como diz meu sábio pai: "melhor ter do que não ter"... tem tanto neguinho ai que pagaria para trabalhar... e tanto recebendo para aprender e reclamando. Vai entender esse mundo...

Tiago Mattos disse...

Pelos comentários, acho que nem todo mundo entendeu o que eu quis dizer.

Existem duas discussões aí.

O que eu quis dizer foi: uma coisa é estar com tesão e QUERER ficar até tarde. Querer fazer coisas legais. Isso tudo é válido, isso é do caralho. Eu adoro criar e várias vezes fiquei até tarde, porque estava pilhado, querendo chegar num lance a fudê.

O problema são as pessoas que ficam "se exibindo" porque viraram a noite, ou porque passaram o final de semana ralando.

Eu tenho um monte de amigos advogados, e não vejo eles se exibindo quando tiveram que ficar até madrugada trabalhando.

***

A outra discussão, que algums propuseram aqui nos comentários, foi que "é um absurdo ficar até mais tarde".

Bom, aí, é a realidade do mercado. E contra isso, não tem o que fazer. Ou melhor: tem. Trocar de profissão ou trabalhar num lugar de baixo desempenho, que não exija que vc fique até tarde. Simples assim.

i k e disse...

Foi tu que escreveu esse post, então?!


:P

g!panichi disse...

Bah meu, acho que isso de "não tem o que fazer" e "se não gosta troca de profissão" justamente o pensamento que faz perdurar essa prática.

Também não acho que se tu gosta não deva ficar mais. Quando o trabalho é bom e dá prazer, óbvio que não dá vontade de parar às 19h. Muitas vezes já esqueci do relógio e fui indo até perceber que era tarde e só tava eu aqui.

Mas o que eu acho é que muita agência prefere aumentar o faturamento não mantendo uma equipe suficientemente grande ou não dizendo nunca um "não rola" para o cliente.

Infelizmente a gente não tem um sindicato forte. Se tivessemos, todos trabalhariam com carteira e as horas extras seriam remuneradas. Só que por algum motivo a gente se considera um tipo de profissional muito diferente de um engenheiro ou de um bancário, e assim se submete muitas vezes sem sequer questionar, aceitando como uma "realidade de mercado".

Eu acho que tem o que fazer e não se deve trocar a profissão que ama por discordar de um panorama. Espero que a minha geração de publicitáros ainda mude isso, e que as horas a mais venham a ser ou por puro tesão, ou muito bem remuneradas.

g!panichi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tiago Mattos disse...

Panichi, acho que tu leu só metade do que eu escrevi.

"...Trocar de profissão ou trabalhar num lugar de baixo desempenho, que não exija que vc fique até tarde."

Claro que dá pra trabalhar pouco sem largar a propaganda. Mas daí, o cara vai ter que abrir mão de outras coisas legais (contas grandes, dupla a fudê, salário bom, etc.) para ganhar qualidade de vida numa agência pequena.

É o preço.

E quem quer pagar esse preço?

Se na balança do cara pesa mais a qualidade de vida do que trabalhar em uma agência grande, beleza. Tá cheio de agência pequena onde todo mundo sai às 18h30.

A questão toda é que 99% dos criativos de Porto Alegre querem trabalhar com as contas grandes, ganhando bem, com um computador do caralho, um dupla do caralho e trampando pouco. É ou não é?

E se 99% dos caras querem isso, a lei da oferta e da procura regula naturalmente.

É duro, mas é a real.

Marco Bezerra disse...

Infelizmente a gente não tem um sindicato forte. Se tivessemos, todos trabalhariam com carteira e as horas extras seriam remuneradas. Só que por algum motivo a gente se considera um tipo de profissional muito diferente de um engenheiro ou de um bancário, e assim se submete muitas vezes sem sequer questionar, aceitando como uma "realidade de mercado".



CONCORDO MUITO COM ISSO.
NOSSO SINDICATO É UMA PIADA.